CRASE: Regras Especiais

Antes de entrarmos no estudo detalhado dos casos particulares de crase, é importante que o aluno compreenda por que esse tema merece atenção especial. 

Embora a maior parte das situações de crase seja resolvida pela regra geral — isto é, a fusão entre a preposição a e o artigo feminino a —, existem contextos em que o emprego do acento grave apresenta comportamentos excepcionais, que fogem ao padrão comum.

Essas situações, conhecidas como casos particulares de crase, costumam exigir do candidato um olhar mais atento para a estrutura da frase e para a função sintática dos termos envolvidos. 

E é justamente por apresentarem essas sutilezas que as bancas de concursos públicos adoram explorar esse assunto, normalmente criando pegadinhas e alternativas muito semelhantes, com pequenas variações que testam o domínio real do candidato.

Por isso, antes de avançar, é essencial destacar que compreender esses casos não significa decorar listas, mas sim desenvolver sensibilidade gramatical para perceber quando a crase aparece por exigências específicas da língua. 

A seguir, estudaremos cada uma dessas situações com explicações claras e exemplos bem contextualizados, para que você domine o tema com segurança.

1) Locuções adverbiais que indicam “hora” (do relógio) 

O primeiro caso particular de uso da crase aparece nas locuções adverbiais que indicam uma hora específica do relógio. Sempre que a expressão fizer referência a um horário determinado, a crase será obrigatória

Isso acontece porque, nessas construções, ocorre a união da preposição a — que inicia a locução adverbial de tempo — com o artigo feminino a, que acompanha a palavra hora

Dessa forma, mesmo quando a palavra hora não aparece explicitamente na frase, ela está implícita, e o artigo continua sendo exigido. Assim, como a preposição e o artigo se encontram, forma-se o acento grave: “à”.

Um recurso prático para confirmar esse uso é substituir a expressão de tempo por “ao meio-dia”. Se a frase continuar com sentido, isso indica que a estrutura realmente exige o artigo feminino e, portanto, a crase deve ser utilizada. Essa é uma dica bastante útil para situações de dúvida.

Observe alguns exemplos que ajudam a visualizar melhor essa regra:

Exemplo 1.

Às 8h, a escola abre os portões para os alunos

Aqui, estamos indicando uma hora específica. A frase poderia ser mentalmente substituída por “Ao meio-dia, a escola abre…”, o que mantém o sentido sintático da estrutura. Isso mostra que a crase é obrigatória. 

Exemplo 2.

O ônibus para o centro sai às 14h30min todos os dias”. 

A expressão representa “às quatorze horas e trinta minutos”, e novamente temos a junção da preposição com o artigo. Além disso, poderíamos colocar a expressão “ao meio-dia” que a frase ainda manteria o sentido: “O ônibus para o centro sai ao meio-dia todos os dias”. 

Exemplo 3.

“A enfermeira inicia o plantão às 7h”

Nesse exemplo, o número se refere diretamente a “às sete horas”, mantendo a necessidade da crase. Podemos reescrever essa frase assim: “A enfermeira inicia o plantão ao meio-dia”.

Um caso que costuma gerar dúvida é o uso com “1h”. Por exemplo:

 “A prova começará à 1h da tarde”

Aqui, o correto é empregar a crase porque a expressão completa seria “à uma hora da tarde”, e o artigo se mantém, mesmo antes de números iniciados por vogal. 

Em todos esses casos, o raciocínio é simples: sempre que a expressão indicar uma hora determinada, a estrutura exigirá a preposição a seguida do artigo feminino a, dando origem ao acento grave. Por isso, dizer “às 8h”, “às 14h30min”, “à 1h”, entre outros, não é apenas uma escolha estilística — é uma exigência gramatical.

CUIDADOS!!

Depois de compreender a regra básica do uso da crase em expressões que indicam horas determinadas, é importante observar algumas situações que costumam gerar confusão. 

1) Tempo determinado, tempo decorrido e tempo impreciso

A diferença fundamental está em distinguir tempo determinado, tempo decorrido e tempo impreciso, pois cada um deles exige um tratamento distinto — e nem sempre haverá crase.

a) Tempo Determinado

Quando indicamos tempo determinado, estamos falando da hora exata marcada no relógio. É esse o caso em que a crase se torna obrigatória

Por exemplo, em “Ela chegou à 1h, a expressão refere-se diretamente à hora do relógio — “à uma hora” — exigindo a fusão da preposição a com o artigo feminino a.

b) Tempo Impreciso 

No entanto, quando não estamos diante de uma hora exata, mas sim de uma noção de tempo impreciso, a crase deixa de existir. Veja a frase: 

“Sairei daqui a uma hora.” 

Aqui, não estamos dizendo que sairemos às 13h, às 14h ou a qualquer horário específico. O que se indica é um intervalo aproximado — daqui a algum tempo, equivalente a um período

Quando trocamos “uma hora” por “duas horas” “daqui a duas horas — percebemos que não cabe artigo feminino obrigatório antes do numeral, e por isso não haverá crase.

c) Tempo Decorrido

Há ainda uma terceira situação: quando indicamos tempo decorrido, ou seja, o tempo que já passou desde um acontecimento. Nesses casos, não se usa crase e sequer se usa a preposição a

O que aparece é o verbo haver, com sentido de tempo transcorrido. Por isso dizemos: 

Ela chegou há uma hora.” 

Nesse exemplo, o indica que já se passou uma hora desde a chegada. Uma boa dica é lembrar que, sempre que você puder trocar a expressão por “faz”:

 — “Ela chegou há uma hora.” → “Ela chegou faz uma hora.”

Isso confirma que se trata de tempo decorrido e que, portanto, não cabe crase.

Essas três distinções podem parecer sutis, mas fazem toda a diferença. O erro mais comum dos candidatos é usar a crase sempre que aparece a palavra “hora”, o que nem sempre é correto. 

A lógica central é identificar se estamos diante de uma hora exata (tempo determinado), de um intervalo aproximado (tempo impreciso) ou de um período que já passou (tempo decorrido). Apenas no primeiro caso — hora marcada — a crase é obrigatória.

Perceber essa diferença exige prática, mas uma boa forma de fixar é sempre fazer perguntas simples ao analisar a frase. Se eu posso substituir a expressão por “ao meio-dia”, então é hora determinada e a crase será obrigatória

Se eu posso substituir por “faz”, então é tempo decorrido e devo usar . Se consigo substituir por “duas horas”, sem artigo feminino obrigatório, então é tempo impreciso e não haverá crase.

Com essa lógica, o estudo do caso torna-se muito mais claro e intuitivo, evitando confusões típicas e facilitando bastante a interpretação em provas de concurso.

2) Não há crase antes de hora diante de palavras que rejeitam artigo

Depois de compreender o uso da crase em expressões que indicam horas determinadas, precisamos observar outra particularidade importante: não haverá crase antes de hora quando a palavra que vem depois rejeita artigo feminino

Essa regra é essencial porque, como vimos, a crase só ocorre quando há a fusão entre preposição “a” + artigo feminino “a”. Se a palavra seguinte não aceita artigo, então simplesmente não há como ocorrer essa fusão — e, portanto, a crase é impossível.

Muitas palavras pertencentes a classes como verbos, advérbios, pronomes indefinidos, pronomes demonstrativos neutros, e até certos substantivos que normalmente não admitem artigo entram nessa categoria. 

Nessas situações, a expressão indica um momento do dia ou circunstância geral, mas não uma hora determinada do relógio acompanhada de artigo.

Assim, mesmo que a frase contenha palavras como “hora”, “momento”, “instante” ou outras que pareçam sugerir o uso da crase, precisamos sempre verificar se o termo seguinte pode ou não receber artigo.

Observe o exemplo clássico:

“A mídia estampa de maneira persuasiva, e à qualquer hora, produtos para a classe C.”

Essa frase está incorreta. A expressão correta é:

“A mídia estampa de maneira persuasiva, e a qualquer hora, produtos para a classe C.”

Por que isso acontece?

Porque a palavra qualquer é um pronome indefinido, e pronomes indefinidos não recebem artigo definido. Ou seja, não existe em português a construção “à qualquer”. Não há artigo feminino para se combinar com a preposição “a”, então a crase simplesmente não tem como ocorrer.

Perceba que, nessa frase, não estamos falando de uma hora exata do relógio, mas sim de uma situação geral: a qualquer hora do dia, em qualquer momento, algo que reforça ainda mais a ausência de crase.

Essa regra também vale para muitas outras expressões semelhantes, como:

  • a qualquer momento (nunca “à qualquer momento”)
  • a toda hora
  • a qualquer instante
  • a pouco tempo (quando “pouco” estiver como advérbio)
  • a muito custo, a pouco custo

O ponto central é sempre o mesmo: antes de palavras que rejeitam artigo, não existe crase.

Uma boa estratégia prática é perguntar: esta palavra aceita artigo feminino? Se a resposta for não, então já sabemos de imediato: não há crase.

Essa atenção a pequenos detalhes é exatamente o que as bancas de concurso gostam de testar, porque exige não só decorar regras, mas principalmente compreender o funcionamento da língua e analisar a frase de modo consciente.

Assim, ao dominar essa particularidade, você evita armadilhas muito comuns nas provas e se aproxima cada vez mais do uso seguro e preciso da crase.

3) Não há crase antes de hora quando a expressão vier antecedida por outra preposição que não seja “a”

Agora que já compreendemos quando a crase deve ser aplicada antes de horas determinadas, é importante observar um ponto que costuma ser muito cobrado em provas: não haverá crase antes de horas quando a expressão vier antecedida por uma preposição diferente de “a”.

Lembre-se: a crase só pode existir quando ocorre a fusão entre preposição “a” + artigo feminino “a”. Portanto, quando a frase já traz outra preposição — como para, desde, após, entre, entre outras — simplesmente não há como essa fusão acontecer, pois o papel da preposição já está sendo desempenhado por outra palavra.

Veja como isso funciona na prática.

Quando dizemos, por exemplo:

  • Desde as 16h30, venho tentando falar com você.”

A frase começa com a preposição desde, que já estabelece a relação entre as partes do enunciado. Como “desde” não admite uma segunda preposição ao lado dela, não há como surgir a preposição “a”. Assim, o que aparece depois é apenas o artigo as, que acompanha a palavra “16h30”. Por isso, não existe crase.

Da mesma forma, observe a frase:

  • Será estendido para as 20 horas o prazo de entrega.”

Aqui, a preposição para introduz a expressão “as 20 horas”. Como “para” não se combina com mais nenhuma preposição, a presença de uma crase seria impossível. Temos apenas “para + as”, e não “para + a”, muito menos “para + à”. Por esse motivo, não há crase.

Outro exemplo bastante comum é:

  • Após as 22h, não atendemos mais pessoalmente.”

A preposição após funciona da mesma forma: ela já exerce a função de ligação entre as partes da frase, impedindo o surgimento da preposição “a”. Assim, novamente, o que aparece é apenas o artigo “as”, motivo pelo qual a crase é incorreta.

Perceba que, nesses casos, a ausência da crase não tem nada a ver com o fato de a palavra indicar uma hora exata, mas sim com a impossibilidade gramatical de ocorrer a fusão necessária para a crase. Se não existe a preposição a naquela posição da frase, simplesmente não há o que se fundir com o artigo feminino, tornando o acento grave improcedente.

Em resumo, sempre que uma expressão de hora vier antecipada por preposições como desde, para, após, entre (entre várias outras), a crase estará proibida, porque não há dois “a” — preposição + artigo — disponíveis para se unirem.

4) A locução prepositiva “até a”

Por fim, é importante destacar uma última observação sobre o uso da crase diante de horas: o comportamento da preposição até

Diferentemente das outras preposições, a palavra até possui uma particularidade que merece atenção: ela é a única preposição do português que pode — opcionalmente — ser seguida pela preposição “a”

Essa característica faz com que, sempre que o “até” vier imediatamente antes de um termo feminino, seja possível utilizar a crase ou não, sem que a frase se torne incorreta.

Isso significa que, diante da expressão “até a”, o uso da crase será facultativo. Em outras palavras, você pode optar por escrever “até a” ou “até à”, conforme desejar. 

Ambas as construções são aceitas porque, nesse caso, a preposição “até” tanto pode funcionar sozinha quanto pode vir reforçada pela presença da preposição “a”, que se funde ao artigo feminino.

Observe como isso ocorre nos exemplos:

“Chegue até as 22h ou até às 22h, mas chegue!”

Nessa frase, é possível escrever sem crase (“até as 22h”), considerando que até está atuando como preposição única, seguida apenas do artigo “as”. 

Também é possível usar a crase (“até às 22h”), caso se entenda que após até ocorre uma segunda preposição “a”, que se funde ao artigo, formando “às”. Nenhuma das duas escolhas altera o sentido original da frase.

O mesmo fenômeno ocorre no exemplo:

  • “Chegaremos ao trabalho até a uma hora da tarde.”
    “Chegaremos ao trabalho até à uma hora da tarde.”

Tanto a versão sem crase quanto a versão com crase são igualmente adequadas. A presença ou ausência da crase depende apenas da escolha entre usar ou não a preposição “a” depois de até. Essa liberdade é justamente o que caracteriza a crase facultativa nesse tipo de situação, tornando o tema recorrente em provas de concursos.

2. Correlação (ou simetria) das preposições “de… a”

A correlação — ou simetria — das preposições “de… a” é um dos pontos mais cobrados quando o assunto é crase, justamente porque envolve uma lógica simples, mas muitas vezes negligenciada pelos candidatos. 

Essa lógica funciona da seguinte maneira: sempre que o primeiro termo da construção apresentar um determinante contraído com a preposição “de” — como “da”, “das”, “do”, “dos” —, o segundo termo, que aparece depois da preposição “a”, também deve estar acompanhado de um determinante. 

Essa simetria é obrigatória porque, se um dos lados é “determinado”, o outro também precisa ser. E, quando o segundo termo for feminino, o encontro entre a preposição “a” (que integra a correlação “de… a”) e o artigo feminino “a” (exigido pela simetria) resultará necessariamente na crase, formando “à”.

Para visualizar esse funcionamento, observe a frase: 

“A loja funciona de segunda à quinta, de 8h às 18h.”

Ela está inadequada porque, no trecho “de segunda”, não há determinante. Não se diz “da segunda”, mas “de segunda”. Portanto, não faz sentido usar determinante no segundo termo — o que ocorre quando se escreve “à quinta”.

 Isso quebra a simetria.  O mesmo ocorre em “de 8h às 18h”: não há determinante no primeiro termo, então não pode haver no segundo.

A forma adequada precisa respeitar a simetria. Uma possibilidade é usar determinantes nos dois lados

“A loja funciona da(de+a) segunda à(a+a) quinta, das(de+as) 8h às(a+as) 18h.” 

Agora sim a construção está coerente, porque “da segunda” (de + a) e “das 8h” (de + as) mostram claramente a presença de determinantes, que obrigam o uso de determinantes também no segundo termo; como estes são femininos, surge naturalmente a crase: “à quinta” e “às 18h”.

Outra forma igualmente correta é suprimir os determinantes dos dois lados: 

“A loja funciona de segunda a quinta, de 8h a 18h.” 

Nesse caso, não há determinante em nenhuma das duas extremidades da correlação, e por isso o uso é completamente simétrico e sem crase.

A mesma lógica se aplica à frase:

“De 01/03 à 30/08, haverá dois cursos para a área militar.” 

Ela está inadequada porque não há determinante em “De 01/03”, portanto não pode haver determinante no segundo termo da correlação. O correto é: “De 01/03 a 30/08, haverá dois cursos para a área militar.” Só haveria crase se os termos viessem determinados, como em: “Do dia 01/03 ao dia 30/08…”, mas neste caso não há crase porque o substantivo “dia” é masculino.

Outro exemplo clássico desse tipo de erro aparece em:

“Ela se molhou dos pés a cabeça.” 

Aqui, “dos pés” contém determinante (de + os), portanto o segundo termo também deve ser determinado. Como “cabeça” é feminino, a preposição “a” da correlação se soma ao artigo feminino “a”, formando a crase. A forma adequada, portanto, é: “Ela se molhou dos pés à cabeça.” Sem esse determinante, a estrutura perderia a simetria.

Por fim, observe a frase: 

“Trabalho só deste domingo a sexta; depois, férias!” 

Novamente, há determinante no primeiro termo: “deste domingo” (de + este). Se um lado está determinado, o outro também deve estar. Assim, o segundo termo, sendo feminino, precisa de determinante, e a fusão entre o “a” da correlação e o artigo feminino resultará em crase. 

A forma correta é: “Trabalho só deste domingo à sexta; depois, férias!” Se não houvesse determinante no primeiro termo, a frase deveria ser: “Trabalho só de domingo a sexta.” Nesse caso, sem determinantes e, portanto, sem crase.

Conclusão 

Perceba que a regra sempre se mantém: se há determinante contraído com “de” — como “da”, “das”, “do”, “dos” ou pronomes demonstrativos como “deste”, “daquele” ou “dessa” —, é obrigatório haver determinante também após a preposição “a”, e disso resulta a crase quando o termo determinado for feminino. 

Se o primeiro termo não está determinado, o segundo também não pode estar. Essa simetria é o coração dessa particularidade da crase e aparece constantemente em provas, exigindo atenção do candidato não apenas à presença ou ausência da crase, mas principalmente à estrutura lógica que sustenta sua aplicação.

CUIDADOS!!

Ao finalizar o estudo da correlação das preposições “de… a”, é fundamental observar algumas advertências que costumam confundir muitos candidatos em provas.

Esses pontos aparecem com frequência justamente porque quebram a lógica que o aluno acabou de aprender, e as bancas adoram explorar situações em que a crase não ocorre, mesmo parecendo que deveria.

1) Em qualquer correlação que não seja “de… a”, não haverá crase

A primeira observação é que a regra da simetria com crase vale exclusivamente para a correlação formada por “de… a”. Se a correlação for formada por qualquer outra preposição — como “entre… e”, “para… a”, “até… a”, ou qualquer outra estrutura — não haverá crase, pois não existe fusão entre preposição e artigo nesse tipo de construção. Veja o caso da frase: 

“Entre as 14h e às 21h, estou no trabalho.”

Esse uso está incorreto porque, na correlação “entre… e”, os termos paralelos são introduzidos pelas palavras “entre” e “e”, e não pela preposição “a”. Assim, escrever “às 21h” é erro, já que aqui o “as” não representa fusão de preposição + artigo, mas apenas artigo definido feminino plural. A forma correta é:

 “Entre as 14h e as 21h, estou no trabalho.”

Nesse exemplo, tanto “as 14h” quanto “as 21h” são simplesmente artigos femininos plurais determinando o substantivo “horas”, sem qualquer relação com a crase.

2) Não há erro na construção “Horário de atendimento: 8h às 17h” ou situações similares 

A segunda observação importante envolve um caso que costuma causar dúvida: o aviso de horários encontrado em placas, portarias, documentos administrativos e estabelecimentos comerciais, como em: 

“Horário de atendimento: 8h às 17h.”

Muita gente estranha essa construção, mas ela está absolutamente correta. Isso acontece porque há uma elipse, isto é, um termo oculto, que precisa ser mentalmente recuperado. A forma completa da frase seria:

 “Horário de atendimento: das 8h às 17h.”

Nesse caso, vemos que o primeiro termo — “das 8h” — apresenta determinante (de + as). Por simetria, o segundo termo também deve vir determinado, o que explica a presença da crase em “às 17h”. 

Quando o texto suprime o “das”, ele apenas compacta a estrutura, mas a lógica permanece a mesma. É justamente essa elipse que garante a correção da expressão e explica por que a crase está presente.

3) A presença ou ausência do determinante na correlação “de… a” não apenas altera a grafia, mas também pode modificar o sentido da frase.

Outra observação que precisamos conhecer é que a presença ou ausência do determinante na correlação “de… a” não apenas altera a grafia, mas também pode modificar o sentido da frase

Observe as frases:

1) “Trabalha de duas a oito horas.”
2) “Trabalha das duas às oito horas.”

À primeira vista, elas parecem semelhantes, mas os sentidos são completamente diferentes.

Na primeira frase — “Trabalha de duas a oito horas.” — não há determinantes. Isso sinaliza que estamos diante de uma indicação de quantidade aproximada de tempo, não de horário do relógio. 

Assim, o sentido é: a pessoa trabalha entre duas e oito horas por dia. Há aqui uma ideia de variação, amplitude de duração, não um horário específico.

Já na segunda frase — “Trabalha das duas às oito horas.” — temos a presença de determinantes: “das” (de + as) e “às” (a + as).

Isso muda completamente a interpretação: agora estamos falando de horário determinado, do relógio. Aqui, a pessoa trabalha das 2h da tarde até as 8h da noite, ou seja, durante seis horas.

Essa diferença ocorre porque, quando colocamos os determinantes (“das… às…”), deixamos claro que estamos nos referindo a horas do relógio, e não à quantidade de horas. A crase, nesse caso, não é apenas um elemento gráfico: ela participa diretamente da construção que marca o sentido temporal preciso.

Perceber essa distinção é fundamental, pois as bancas frequentemente trocam uma construção pela outra para testar se o candidato entende que a correlação com determinantes indica horário preciso, enquanto a correlação sem determinantes indica duração ou quantidade de tempo.

Essa observação reforça que, no estudo da crase, a análise não pode ser apenas mecânica; ela deve sempre considerar o contexto e o sentido da frase. Assim, ao se deparar com expressões envolvendo horas, pergunte:

“Estamos falando de horário exato ou de quantidade de horas?”

Essa simples pergunta ajuda a resolver praticamente todas as questões desse tipo.

4) Cuidado com numeral “uma”

Existe ainda um caso especial envolvendo o numeral “uma”. Segundo o gramático Domingos Paschoal Cegalla, como o numeral “uma” normalmente não vem precedido de artigo definido, podem surgir ambiguidades.

Por exemplo, se dissermos:

“Trabalho de uma a cinco horas”

Isso pode sugerir que a pessoa trabalha entre uma e cinco horas — uma duração variável ou trabalha de uma hora (da manhã ou da tarde) a cinco horas (horário do relógio). 

Assim, para evitar essa possível confusão, pode-se empregar a crase no segundo elemento e dizer “Trabalho de uma às cinco horas”. Assim, fica claro que o horário final é “às cinco”, não um limite aproximado de duração. Nesse caso, a crase serve justamente para impedir que o sentido seja mal interpretado.

No entanto, o gramático Evanildo Bechara acrescenta que o uso do artigo antes de “uma” é facultativo. Isso abre espaço para outra construção: 

“Trabalho da uma às cinco horas”. 

Aqui, como aparece o artigo “a” antes de “uma”, forma-se a expressão “da uma” (de + a), deixando a correlação explícita e legitimando o uso da crase em “às cinco horas”. Assim, a frase passa a seguir a estrutura tradicional de intervalo: “da… às…”.

3. Paralelismo e o uso da crase

O paralelismo no uso da crase ocorre quando duas ou mais estruturas dentro da frase precisam manter a mesma forma gramatical

Isso significa que, sempre que listamos, comparamos ou coordenamos elementos, esses termos devem aparecer de maneira semelhante: se um deles tiver artigo, os demais também devem ter; se um não tiver artigo, os outros também não terão. 

Esse equilíbrio é importante porque evita que a frase fique quebrada ou “torta”, já que os elementos paralelos devem estar construídos da mesma forma.

Um exemplo simples de como o paralelismo interfere no uso da crase aparece em frases comparativas. Considere a frase: 

“É preferível  a virtude a desonestidade.” 

Embora, à primeira vista, pareça correta, ela apresenta um problema de paralelismo, pois o primeiro termo (“a virtude”) está com artigo, enquanto o segundo termo (“desonestidade”) é introduzido apenas pela preposição “a”, necessária na comparação. 

Para corrigir esse desequilíbrio, ambos os termos devem ser organizados da mesma maneira. Assim, a forma adequada é: “É preferível a virtude à desonestidade.” 

Nessa versão, os dois elementos estão harmonizados: ambos aparecem determinados por artigo, e “à desonestidade” traz a fusão da preposição exigida pela comparação com o artigo feminino.

Esse raciocínio também aparece na regência de expressões como “ter direito a”. O verbo exige a preposição a, mas cabe ao falante decidir se o substantivo virá determinado por artigo ou não. 

Essa escolha, no entanto, precisa ser coerente entre todos os elementos coordenados. Por isso, várias construções podem ser igualmente corretas, desde que respeitem o paralelismo. Por exemplo: 

“Todo brasileiro tem direito a saúde, educação e segurança.” 

Nesse caso, nenhum dos termos leva artigo, então não há crase.  A frase também pode ser escrita repetindo apenas a preposição: 

“Todo brasileiro tem direito a saúde, a educação e a segurança.” 

Aqui ainda não há artigos, portanto também não há crase. Outra possibilidade é determinar apenas o primeiro termo, criando uma distinção voluntária: 

“Todo brasileiro tem direito à saúde, educação e segurança.” 

Há crase apenas em “à saúde”, porque apenas esse substantivo foi determinado com artigo, e os demais permaneceram genéricos. Essa escolha é permitida porque, nesse caso específico, o paralelismo não exige que todos os termos sejam determinados, desde que a estrutura não fique incoerente.

Por fim, podemos determinar todos os elementos de forma equilibrada: 

“Todo brasileiro tem direito à saúde, à educação e à segurança.” 

Nesse caso, cada substantivo feminino é precedido por artigo, e, como a regência já exige a preposição a, ocorre a fusão de preposição + artigo, formando a crase em todos os termos. 

Essa construção é frequentemente considerada a mais “simétrica”, já que todos os itens seguem exatamente o mesmo padrão.

Assim, o ponto central do paralelismo é a coerência estrutural. Quando coordenamos elementos, eles devem “combinar” entre si. O uso da crase, portanto, não depende apenas da regência, mas também da forma escolhida para apresentar cada termo dentro da frase. Manter essa simetria ajuda a produzir um texto claro, elegante e gramaticalmente sólido. 

4. A palavra “casa” 

A palavra “casa”, embora seja uma palavra feminina, apresenta um comportamento especial em relação ao uso do artigo — e, consequentemente, em relação ao uso da crase

Como você já sabe, a crase só ocorre quando existe a fusão entre a preposição “a” e o artigo feminino “a”. Portanto, se antes da palavra “casa” não houver artigo, simplesmente não existe a possibilidade de crase.

Mas surge a pergunta: por que, em muitos casos, não usamos artigo antes de “casa”?

Isso ocorre porque, na variedade culta da língua portuguesa, quando a palavra “casa” aparece com o significado de lar, residência, domicílio, e é usada de forma geral — sem identificar qual casa é — ela costuma vir sem artigo

É como se a palavra funcionasse quase como um advérbio de lugar, indicando “para o lar” ou “em casa”, sem necessidade de determiná-la.

Contudo, quando “casa” é especificada por algum termo — como um adjetivo (“casa antiga”), uma locução (“casa de praia”), um pronome (“a casa dela”, “a minha casa”), ou quando se refere a um estabelecimento com nome próprio, como “a Casa Branca” ou “a Casa de Cultura” — o substantivo deixa de ser genérico e passa a ser determinado

A partir desse momento, o artigo feminino aparece, e isso abre espaço para que ocorra a crase, caso haja também a presença da preposição exigida pelo verbo.

Assim, a regra prática fica simples: não usamos crase quando a palavra “casa” está no sentido genérico de lar; usamos crase apenas quando “casa” aparece determinada ou especificada.

Para tornar essa lógica mais clara, vejamos exemplos explicados de modo detalhado.

Quando dizemos:

“Fui a casa resolver um problema.”

Aqui, não há crase porque a palavra “casa” está no sentido genérico de lar e não vem acompanhada de artigo. O verbo “ir” exige a preposição “a”, mas o substantivo não possui artigo. Como não existe “a + a”, não há fusão e, portanto, não há crase. É como pensar “fui (a) casa”, apenas com a preposição.

Já em:

“Fui à casa dela resolver um problema.”

Nesse exemplo, ocorre crase porque agora “casa” foi especificada pelo termo “dela”. Nesse caso, não estamos falando de qualquer casa, mas de “a casa dela”. O artigo feminino está presente por causa da determinação e, como o verbo exige a preposição “a”, ocorre a fusão: “a + a = à”.

O mesmo acontece em expressões como:

 Chegamos a casa por volta das sete horas.”

Aqui, também não há crase porque “casa” permanece genérica. Nesse caso, mais uma vez, temos apenas a preposição exigida pelo verbo “chegar”, sem artigo que permita a fusão.

Um caso que costuma gerar dúvida é a frase:

Costumo morar em casa alugada.”

 Apesar de haver um adjetivo (“alugada”), o uso permanece genérico, funcionando como categoria, e não como identificação de uma casa específica. A expressão não individualiza uma casa determinada; por isso, o artigo pode ser omitido e não se cria o ambiente para a crase. 

Apenas quando o falante realmente quiser especificar, como em “a casa alugada que mencionei”, o artigo se torna obrigatório e, a depender do verbo, a crase pode surgir.

A palavra “casa” com sentido de estabelecimento comercial ou institucional

Há ainda o uso de “casa” com sentido de estabelecimento comercial ou institucional, como em “a Casa de Cultura”, “a Casa do Teatro”, “a Casa Branca”. 

Aqui, a palavra perde completamente o sentido de lar e se transforma em nome próprio ou nome institucional. Nesses casos, o artigo é obrigatório e, se o verbo exigir preposição, a crase será naturalmente aplicada. Por exemplo:

“Vou à Casa Branca neste domingo”

Síntese do emprego da crase diante da palavra “casa”

Em termos de procedimento mental, o aluno pode se perguntar sempre:

“Essa ‘casa’ está individualizada por algum termo ou é apenas ‘casa’ no sentido geral de lar?”

  • Se estiver genérica, não há artigo → não há crase.
  • Se estiver determinada, há artigo → pode haver crase (desde que haja preposição).

CUIDADOS!!

1) Cuidado a palavra casa depois de pronomes possessivos adjetivos

Um cuidado importante aparece quando a palavra “casa” é antecedida por um pronome possessivo adjetivo feminino — como “minha”, “tua”, “sua”. 

Nessa situação, o uso do artigo se torna facultativo, porque o pronome possessivo pode funcionar sozinho (sem artigo) ou acompanhado dele (artigo + pronome). Assim, na frase:

 “Em frente a sua casa, houve um incêndio”, 

Aqui, a crase é opcional. É possível escrever “Em frente à sua casa” ou “Em frente a sua casa”, ambas corretas. A diferença está apenas na escolha de usar ou não o artigo antes do possessivo, o que gera, respectivamente, “à” (a + a) ou apenas “a”. Nesse caso, a crase não tem nada haver com a palavra “casa”.

2)  Curiosidade sobre a expressão  “dona de casa”

Existe ainda um ponto curioso envolvendo a famosa expressão “dona de casa”

Quando se usa “dona de casa”, com artigo, o sentido passa a ser de profissão ou ocupação, funcionando como uma locução substantiva: “a dona de casa”

Já quando dizemos “a dona da casa”, o sentido muda completamente: agora estamos falando da proprietária da residência, e a estrutura passa a ser substantivo + locução adjetiva. 

A diferença de significado acontece justamente por causa do artigo que aparece em “dona de casa” — um artigo aparentemente simples, mas que altera todo o sentido da expressão. É um ótimo exemplo de como um pequeno elemento gramatical pode mudar não só a gramática, mas também o papel social que a expressão transmite.

5.Crase antes da palavra “terra”

Assim como ocorre com a palavra “casa”, a palavra “terra” possui um comportamento especial em relação ao uso do artigo e, consequentemente, da crase. 

A regra geral é simples: não se usa crase diante de “terra” quando ela está em oposição à ideia de “bordo”, isto é, quando aparece em expressões típicas de navegação, indicando simplesmente o ato de retornar ao solo após estar embarcado. 

Por outro lado, se “terra” estiver especificada (como em “terra natal”, “terra prometida”, “terra fértil”) ou se estiver se referindo ao planeta Terra, aí o artigo aparece, e a crase pode ocorrer normalmente quando a estrutura exigir preposição + artigo.

A lógica é a mesma que estudamos com a palavra “casa”: Só haverá crase se, naquele contexto, existir preposição “a” + artigo feminino “a” = à. Se não houver artigo antes de “terra”, não há como haver crase.

Para deixar isso mais claro, vamos analisar cada caso.

Quando dizemos: 

“Os marinheiros retornaram a terra.”

Aqui, não ocorre crase porque a palavra “terra” está em oposição ao termo “bordo”. Esse uso é tradicional nas expressões náuticas. O verbo “retornar” exige a preposição “a”, mas não há artigo, pois “terra” significa simplesmente “solo firme”, não algo determinado. Portanto, o “a” é apenas preposição — e não ocorre crase.

Agora observe: 

“Os marinheiros retornaram à terra natal.”

Aqui, a situação muda. A palavra “terra” está especificada pelo adjetivo “natal”, o que já torna obrigatório o artigo feminino “a” antes de “terra natal”. 

Além disso, o verbo “retornar” pede a preposição “a”. Assim, temos: preposição a + artigo a = à, e a crase torna-se obrigatória. Note que não estamos falando de terra em oposição a bordo, mas sim de uma terra específica — a terra natal de cada marinheiro.

Observe este outro exemplo:

“O amor à Terra deve imperar, pois é nosso lar.”

Nesse exemplo, o uso da crase ocorre porque “Terra”, aqui com maiúscula, refere-se ao planeta Terra. Quando falamos do planeta, sempre usamos artigo: “a Terra gira”, “a Terra é habitável”. 

Nesses casos, quando surge a necessidade de usar a preposição “a”, ela se funde com o artigo feminino e produz a crase: à Terra. Por isso, a forma correta é “amor à Terra”.

Outro exemplo é: 

“Viemos da terra e à terra voltaremos.”

Na primeira ocorrência, “da terra”, o “terra” significa origem da natureza, aquilo de que somos feitos — e isso exige o artigo (“da” = de + a). 

Quando chegamos ao final da frase, a estrutura “à terra voltaremos” torna-se coerente: se viemos da terra (com artigo), voltaremos à terra (também com artigo), respeitando a simetria da construção. 

Aqui “terra” não está em oposição a bordo; ela é tratada como origem, substância, algo determinado no discurso — por isso o artigo aparece e a crase se forma.

Considere agora outro exemplo explicativo:

“Depois que os navegantes retornaram a terra, cada um foi para a terra natal matar a saudade.”

No primeiro trecho (“retornaram a terra”), novamente vemos o uso especial náutico: a terra está em oposição a bordo, então não existe artigo; o “a” é apenas preposição.

No segundo trecho (“a terra natal”), o sentido é completamente diferente: “terra natal” é expressão determinada pelo adjetivo “natal”, e por isso exige o artigo “a”. 

Aqui não temos crase porque o verbo ir exige a preposição “para” e não a preposição “a” (quem vai, vai para algum lugar). Contudo, se houvesse preposição (a) obrigatória antes desse termo, a crase apareceria, como em “voltei à terra natal.”

Por fim, observe: 

“Os astronautas chegaram à Terra hoje de manhã.”

Diferentemente do uso náutico, aqui a palavra “Terra” nomeia o planeta. Sendo nome próprio feminino, passa obrigatoriamente a exigir artigo — “a Terra”. 

O verbo “chegar” exige a preposição “a”, e, com esse encontro entre preposição e artigo, ocorre a fusão marcada pela crase: à Terra.

Resumindo com clareza:

A palavra terra só recebe artigo — e, consequentemente, crase — quando não está sendo usada na oposição “terra × bordo”, quando está especificada ou quando se refere ao planeta. 

Em usos náuticos e genéricos, não há artigo, portanto não existe crase. Quando está determinada ou representando o planeta, o artigo aparece, e o uso da crase segue a regra normal.

6.Crase antes de topônimos (nomes de lugar)

Quando falamos de crase antes de nomes de lugares, entramos em um dos casos mais tradicionais da língua portuguesa. Como existem milhares de topônimos — cidades, estados, países, bairros, regiões — não há como uma gramática listar todos. 

Por isso, ao longo do tempo, professores e gramáticos passaram a usar pequenas estratégias para descobrir, na prática, se o nome do lugar aceita ou não artigo.

Uma dessas estratégias é um velho truque passado de geração em geração:

 “Quem vai A, volta DE — crase para quê?”
“Quem vai A, volta DA — crase HÁ.”

Esse ditado ajuda a identificar se o topônimo exige artigo feminino. Funciona assim: se ao fazer o teste a frase exigir da na volta, isso significa que o lugar pede artigo (da = de + a). 

Logo, se há artigo, haverá possibilidade de crase na ida. Mas, se ao testar vier apenas de, significa que o topônimo não aceita artigo, e, portanto, não há crase.

Vamos ver como isso funciona na prática, com cada exemplo explicado passo a passo. Por exemplo, quando dizemos: 

“Fui à Bahia nas minhas férias.”

O teste do ditado nos mostra a razão da crase. Basta imaginar a frase inversa: “Voltei da Bahia.” Repare que dizemos da Bahia, e não de Bahia. Isso revela que “Bahia” exige artigo feminino (“a Bahia”), e, como o verbo ir exige a preposição a, temos a união da preposição com o artigo. A fusão gera a crase: à Bahia.

Agora observemos um caso diferente: 

Fui a Ipanema.” 

Ao aplicar o teste, percebemos: a forma natural é “Voltei de Ipanema.”, e não “voltei da Ipanema”. Ou seja, “Ipanema” não usa artigo feminino; portanto, na ida, temos apenas a preposição “a”. Como não existe artigo a ser fundido à preposição, não há crase. Assim, o correto é “Fui a Ipanema.”, sem acento grave.

Mas há um detalhe muito importante: se o topônimo vier especificado, a situação muda completamente. Quando damos características, qualificamos ou determinamos o nome do lugar, ele passa a pedir artigo — mesmo que, normalmente, não pedisse. E, quando o artigo aparece, surge também a possibilidade de crase.

Por isso, a frase: 

“Fui à linda Ipanema.”

Aqui, o adjetivo “linda” determina e particulariza o topônimo. Isso obriga o uso do artigo: “a linda Ipanema”. Como o verbo ir continua exigindo a preposição a, ocorre novamente a fusão: à linda Ipanema.

Assim, a regra geral é simples e prática:

  • Topônimo sem artigo → sem crase.
  • Topônimo com artigo → com crase.
  • Topônimo especificado → passa a ter artigo → crase possível.

O segredo é sempre usar o teste da volta. Ele funciona como um farol: indica imediatamente se há artigo ou não, mesmo que você nunca tenha visto aquele topônimo antes. Se a forma natural for “da”, crase na ida. Se for apenas “de”, nada de acento grave.

7.Crase antes de substantivo feminino singular com sentido genérico  

Entre os casos particulares do emprego da crase, um dos mais importantes — e também um dos mais cobrados em concursos — é o que envolve o substantivo feminino singular usado com sentido genérico. 

A razão dessa importância é simples: aqui não se trata apenas de saber se existe ou não crase; trata-se de compreender que a presença ou ausência do artigo altera o sentido da frase

Assim, duas frases formalmente corretas podem comunicar ideias completamente diferentes. É justamente esse ponto que as bancas exploram, especialmente CESPE/CEBRASPE.

Para entender o fenômeno, basta recordar que a crase só ocorre quando há fusão da preposição “a” com o artigo feminino “a”. Portanto, se o substantivo feminino aparece de maneira genérica, sem ser determinado pelo contexto, não há artigo e, consequentemente, não haverá crase. 

Por outro lado, quando o substantivo já foi mencionado antes, ou é claramente conhecido pelos interlocutores, ou ainda aparece determinado por algum termo que o individualiza, o artigo feminino se torna obrigatório, permitindo a fusão e exigindo a crase. 

O mais importante, no entanto, é perceber que a mudança de sentido não é apenas um detalhe gramatical; ela modifica a interpretação da frase e até mesmo o conteúdo transmitido.

Considere o par de frases: 

“Tudo está sujeito a degeneração” e “Tudo está sujeito à degeneração”. 

As duas estão corretas, mas comunicam ideias diferentes. No primeiro caso, degeneração aparece de modo genérico: qualquer tipo de degeneração, sem identificação. 

Já na segunda frase, o uso da crase deixa claro que existe uma degeneração específica, conhecida pelo falante e pelo ouvinte — talvez já mencionada anteriormente, como uma degeneração celular explicada num texto sobre doenças. 

Assim, percebe-se que a crase não é apenas uma marca gráfica, mas um recurso que torna o substantivo determinado.

O mesmo ocorre no exemplo: 

“O paciente será submetido a cirurgia amanhã”.

 Aqui, o sentido é genérico: o paciente fará um procedimento cirúrgico, mas não sabemos qual. 

Já em “O paciente será submetido à cirurgia amanhã”, estamos diante de uma cirurgia específica — aquela já marcada, talvez aquela discutida na consulta anterior. Novamente, o artigo altera o grau de determinação do substantivo.

Essa lógica se repete em: 

“Sempre faço doações a instituição beneficente” e “Sempre faço doações à instituição beneficente”. 

A primeira frase sugere que as doações são feitas genericamente a uma instituição qualquer; a segunda indica que existe uma instituição beneficente específica, já conhecida no contexto. 

E ocorre, ainda, nos clássicos exemplos jurídicos: 

“O advogado se referiu a lei federal, não a lei estadual” apresenta leis em sentido amplo, como categorias gerais. Já “O advogado se referiu à lei federal, não à lei estadual” pressupõe que há leis concretas e identificadas, geralmente mencionadas anteriormente.

Para enriquecer a compreensão, é útil observar situações adicionais. Quando dizemos:

“O aluno foi encaminhado a avaliação psicológica”.

Aqui, o sentido permanece genérico. Entretanto, ao afirmar “O aluno foi encaminhado à avaliação psicológica solicitada ontem”, há determinação explícita, pois aquela avaliação específica foi mencionada. 

Em outro contexto, se afirmamos:

 “O exame foi enviado a análise laboratorial”

Nesse caso, estamos falando de análise de maneira genérica. Mas, quando dizemos “O exame foi enviado à análise laboratorial solicitada pelo médico”, fica evidente que se trata de uma análise específica, individualizada por um termo que a determina.

Inclusive em situações aparentemente simples, o mecanismo é o mesmo. Quando dizemos: “O candidato respondeu a pergunta rapidamente”, trata-se de uma pergunta qualquer. Já em “O candidato respondeu à pergunta que o examinador repetiu”, a pergunta é específica. Ou seja, sempre que a presença do artigo for justificada pela determinação, haverá possibilidade de crase.

Diante disso, uma orientação prática ajuda muito na hora da prova: antes de decidir se há crase, pergunte a si mesmo se o substantivo feminino está sendo usado de modo genérico ou se se refere a algo já identificado no contexto. 

Se a palavra estiver em sentido amplo, como “cirurgia”, “instituição”, “lei”, “pergunta”, “análise”, “avaliação”, “doença”, “teoria”, “norma”, “prova”, sem qualquer marca de especificidade, não haverá artigo e, portanto, não haverá crase

Mas, se houver algum determinante, seja expresso (como um adjetivo que individualiza, uma oração que especifica, um pronome que a particulariza) ou implícito (algo já mencionado no texto), o artigo surge e a crase se torna necessária.

Essa diferença semântica, mais do que a mera regra gramatical, é o que faz desse caso um dos favoritos das bancas de concurso. Por isso, compreender profundamente o funcionamento do artigo e a noção de genericidade versus especificidade garante não apenas o acerto da questão, mas também a interpretação precisa do texto.

CUIDADOS!!

O fato é que nem todo caso de adjetivo especificando substantivo fará o uso do acento indicativo de crase ser obrigatório. Veja:

– Ela só é fiel a pessoa infiel, por isso vive magoada.

Contextualmente, “pessoa infiel” é um tipo de pessoa, não uma pessoa específica, logo o adjetivo não determina a ponto de ser necessária a presença do artigo.

– Depois de uma vida inteira de honestidade e contas pagas, minha vida estará sujeita a rigorosa análise? 

Novamente, não há necessidade de artigo definido antes de “rigorosa análise”, pois se trata de uma “análise” em seu sentido amplo, mas feita de modo rigoroso, e não “aquela análise já mencionada anteriormente, conhecida, definida”; até porque não há contexto suficiente para interpretarmos assim. Com diz a Prof. Dr.a Rosane Reis de Oliveira (UERJ), “nestes casos, a crase é explicada pelo teor semântico e não estritamente pela sintaxe”.

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